Festa batráquia
Para o Halloween, enquanto as bruxas e os zombies não chegam, recomendo a curta-metragem Garden Party. Fabulosa! Com sapos, animais associados ao mal, à morte e à bruxaria. O vídeo é longo (7 minutos) e lento. Mas tem uma estética e uma narrativa prodigiosas. O desfecho, cirurgicamente anunciado, é surpreendente. Trata-se de uma curta-metragem mega premiada: cerca de 30 prémios. Imagino quanto os autores se divertiram durante a produção.
Garden Party. Direcção: Florian Babikian; Vincent Bayoux; Victor Caire; Théophile Dufresne; Gabriel Grapperon; Lucas Navarro. MOPA, 2016.
Os sapos não são apenas criaturas do mal, são também beijoqueiros. No anúncio Water Frog, da Vitamin, um sapo anda à procura da princesa, mas não lhe serve uma qualquer, deve beber Vitaminwater Zero Glow. Para aceder ao anúncio, carregar na imagem ou no seguinte endereço: http://www.culturepub.fr/videos/vitaminwater-frog/.
Marca: Vitaminwater. Título: Frog. Agência: CP+B. Direcção: Bryan Buckley. USA, 2011.
A Cadeira de patinhar
É no vazio do pensamento que o mal se instala” (Hannah Arendt).
Nós somos bons a fazer o mal. O Marquês de Sade não é um caso isolado. Qualquer dúvida evapora-se com uma visita a um museu, ou exposição, de instrumentos de execução ou tortura. Por exemplo, o Museu da Tortura de Amesterdão. Saimos estarrecidos com tanto engenho, imaginação e requinte em matéria de sofrimento e morte.
Na Inglaterra dos séculos XVI e XVII, durante os reinados de Isabel I e Jaime I, a bruxaria foi severamente perseguida. Recordem-se, do outro lado do oceano, as “bruxas de Salém (1692). Além da fogueira e da forca, pontificavam inúmeros recursos disciplinares. Por exemplo, the ducking stool, a “cadeira de patinhar”. Sentada e suspensa numa cadeira, a mulher acusada de bruxaria, de prostituição ou de outros crimes era mergulhada, repetidamente, na água. Tratava-se de um teste que, devidamente interpretado, pode resultar no seguinte dilema: se a mulher afogar, é inocente; se não afogar, é culpada e castigada em conformidade. Tratava-se, também, de mais um método de execução e humilhação pública. Em local exposto, o público não se fazia rogado. Constituía um espectáculo! Um espectáculo do poder! De quem detém a responsabilidade e legitimidade de vigiar, julgar e punir.
O francês François Maximilien Misson, viajante por terras de Inglaterra no final do século XVII, faz a seguinte observação:
“Na Inglaterra, a maneira de castigar as mulheres desordeiras e depravadas é bastante engraçada. Atam uma cadeira de braços à extremidade de duas traves, de quatro ou cinco metros de comprimento, paralelas uma à outra, de modo a que estes dois pedaços de madeira abracem, nas duas extremidades, a cadeira, que se encaixa entre eles sobre uma espécie de eixo, o que significa que se movem livremente permanecendo a cadeira sempre na posição horizontal, o que permite que a pessoa esteja convenientemente sentada nela, tanto a subir como a descer. Erguem um poste na margem de um lago ou de um rio, e, sobre este poste, põem em equilíbrio os dois pedaços de madeira, sendo que numa das extremidades a cadeira fica suspensa sobre a água. Colocam a mulher na cadeira e submergem-na na água, o número de vezes que a sentença o estipular, de modo a arrefecer o seu calor imoderado” (Misson, François Maximilien, 1698, Memoires et observations faites par un voyageur en Angleterre, La Haye,Henri van Bulderen,Marchand Libraire,p.41).
Algumas vezes o “calor imoderado” da vítimas arrefecia definitivamente.
“Em alguns casos, o castigo era levado ao extremo de causar a morte. Um antigo texto, sem data, intitulado “Strange and Wonderful Relation of the Old Woman who was Drowned THE DUCKING-STOOL. 5 at Ratcliff Highway a fortnight ago”, relata que “a pobre mulher foi mergulhada demasiadas vezes; concluída a operação, foi encontrada morta”” (Andrews, William, 1890, Old-Time Punishments, London, Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co., p. 5).
Nestes sobressaltos de crime e castigo, de efervescências e “calores imoderados”, de tanto aparato, não cabe o demónio? Desencante-se quem pensa que o diabo não anda nos corredores da polícia e da justiça. Estes actos sacrificiais configuram ritos de esconjuração. Atente-se no seguinte testemunho:
“A duckingstool mantinha-se permanentemente pendurada no seu lugar e na parte de trás, junto às acusações, estavam gravados diabos, etc. Algum tempo depois, uma nova cadeira foi erguida no lugar da antiga, com os mesmos apetrechos esculpidos, bem pintados e ornamentados. Quando a nova ponte de pedra foi erguida, em 1754, a cadeira foi retirada” (Hole citado por Willam Andrews (1890. Old-Time Punishments, op. cit, p. 9).
E nós, (pós)modernos, pioneiros do terceiro milénio e herdeiros de séculos de civilização, declinamos ou não o espectáculo da violência, do crime e do castigo? Na verdade, já não acorremos, a toque de tambor, às execuções públicas. E se for a toque de ecrã? Porventura, um telejornal indignado ou uma série CSI? Talvez não sejamos multidão apinhada à volta do patíbulo, mas somos opinião pública, audiência, que não dispensa nem o “sofrimento à distância”, nem as emoções confortáveis. Violência, carrascos e vítimas, cada vez mais alheios, cada vez menos estranhos.
“Paralelamente à eliminação do espectáculo dos actos de tortura, assistimos, por compensação (…), à proliferação de imagens mediatizadas de cenas de violência. Estas, longe de nos tocarem como pretende ser por vezes o seu propósito explícito, levam-nos a pactuar de modo crescente com a sua banalidade e com uma indiferença que a imagem introduz (…) ao interpor-se entre nós e o real, distanciando-o” (Carvalho, Adalberto Dias de, 2010, “Da violência como anátema à educação como projecto antropológico”, in Henning, Leoni & Abbud, Maria (orgs.), Violência, indisciplina e educação, Londrina, online, 19-25, p. 21).
Patinhar na água
“As drogas são substâncias capazes de produzir alterações nas sensações físicas, psíquicas e emocionais”. Há quem sustente que o poder tem efeitos semelhantes.
Na Inglaterra dos sécs. XVI e XVII, durante os reinados de Isabel I e Jaime I, a bruxaria foi severamente perseguida. Para além da fogueira e da forca, havia outros recursos disciplinares. Por exemplo, the ducking stool, uma cadeira suspensa sobre a água. A mulher acusada de bruxaria era mergulhada, repetidamente, na água. Patinhava sentada. Era um método de humilhação pública. Há, no entanto, quem afiance que o uso e a interpretação podiam ser, na prática, radicalizados: se a mulher se afogar, é inocente; se não se afogar, é culpada e castigada em conformidade. Presa por ter cão…