Um pouco de amor e melancolia

We live together in a photograph of time” / Vivemos juntos numa fotografia do tempo (Antony And The Johnsons. Fistful Of Love)
Regularmente, o Tendências do Imaginário faz questão de introduzir uma pausa na conversa para “dar música”. Abrir uma janela lúdica entre artigos porventura mais densos. Que músicas? Quaisquer, de preferência que exprimam um gosto ou um estado de alma a partilhar. Estranho? O blogue é omnívoro e não possui contrato de exclusividade com assuntos ditos sérios nem é alérgico ao prazer. Não é só pela razão que se conhece e ainda menos se sente, se abraça, o mundo (Blaise Pascal, Pensées, 1670). Faz parte da sabedoria não espalmar a vibração dos sentidos, dos sentimentos e das emoções.
Angel Olson lançou este ano a canção Big Time. Associando Woman (2016) obtém-se um belo par que transmuta a melancolia em lamento e melodia, arte de que é mestre Antony. Recorde-se, por exemplo, Fistful Of Love. Um jeito de se deixar embalar em dia de chuva indolente.
Perto do sol
À Zé Gomes
Se tiver tempo, descanse a ver este artigo! Pela companhia aérea Emirates, pelo Elias e, principalmente, pelos Antony and The Johnsons com Franco Battiato. Este blogue pode ser discreto, mas é rico em coisas raras. Se não puder parar, passe ao largo, e não olhe para trás, como em noites de bruxedo.

Apetece-me ouvir a canção Fistful of love, dos Antony and The Johnsons. Procuro no Tendências do Imaginário e encontro um retângulo negro com o seguinte letreiro: “Este vídeo não está disponível devido a uma reivindicação de direitos autorais”. Paciência! Substituo o link por outro, por sinal, melhor: uma atuação ao vivo, de 2007 (https://www.youtube.com/watch?v=1-524bnuYdM). O Tendências do Imaginário está cheio de retângulos negros. Na maioria dos casos, por um motivo inocente: o link foi, entretanto, desativado. As pequenas contrariedades dão-me vontade de brincar, de me divertir com maneirismos. Por exemplo, criar um falso gémeo, Perto do sol, a partir do artigo amputado, o Voo dos sentidos (https://wordpress.com/post/tendimag.com/40706).
O impressionante anúncio da companhia aérea Turkish Airlines (5 senses With Dr. Oz) é substituído pelo faraónico, We ‘re on top of the world, da congénere Emirates: uma hospedeira de bordo dá as boas-vindas à Expo 2020 Dubai no topo do edifício mais alto do mundo. Lembra um novo Ícaro com trejeitos de Estátua da Liberdade. A canção Revolution permuta com Thinking of you, ambas de Elias. Por último, a canção Firstful of love, dos Antony and The Johnsons, dá lugar à canção Del suo veloce volo, também dos Antony & The Johnsons, interpretada com Franco Battiato, no concerto da Arena de Verona, em 2013. Uma raridade! Como quem conta um conto acrescenta um ponto, ainda sobra espaço para um link do álbum (áudio) completo deste espetáculo.
De cabeça para baixo
Este anúncio da Unicef, World Upside Down, propõe um diálogo dramático entre a segurança e o risco. O próximo, protegido, é catapultado para o lugar, exposto, do outro. Embalado pela voz de Antony (Soft Black Stars), o anúncio convoca realidades que, apesar de tudo, não nos são completamente estranhas. As cenas da linha de caminho-de-ferro lembram um print da Prada com uma criança sentada numa linha férrea desactivada (Prada, 2011). Foi censurado, no Reino Unido, devido a imagens eventualmente perigosas, “in a potentially hazardous situation” (http://tendimag.com/2011/11/29/zelai-por-nos/). É certo que o teor do anúncio da Unicef é diferente: versa sobre riscos, que importa revelar. Não obstante, a “censura democrática” talvez não perdesse em ser menos categórica e mais ponderada. A censura não risca apenas uma obra, hipoteca o futuro, porventura a liberdade e a criatividade. Um anúncio censurado, como o print da Prada, aloja-se nos bastidores da memória, à espera de repisar o palco.
Anunciante: Unicef. Título: World Upside Down. Agência: Don’t Panic London. Direcção: Karen Kunningham. Reino Unido, Novembro 2015.