A Coleira Electrónica (ComUM online)
Gosto do correio electrónico quando a caixa fica cheia! Fica assim, por horas, por dias, pançudo, num estrangulamento feliz. As crónicas do ComUM online recomeçaram. Dedico a primeira às nossas contradições face ao correio electrónico Para aceder ao texto, clicar na imagem ou neste endereço http://www.comumonline.com/opiniao/item/1192-a-coleira-eletronica.
A Guerra dos Géneros
E se os canais e os géneros de televisão lutassem entre si para conquistar o ecrã? Desenhos animados pontapeados por bailarinas que agarram espadachins pelos cabelos… Um caos à altura da rave do Shrek. Mas há sempre uma solução. Neste caso, multiplicar os aparelhos de televisão para separar os beligerantes, no ecrã e no sofá… Nada como um mosaico para arrumar a vida!
Anunciante: Charter. Título: Battle Royal. Agência: Fallon, Minneapolis. Direção: Rodrigo Garcia Saiz. EUA, Outubro 2012.
O Gato Fisgado
Confrontados, neste anúncio neozelandês, com o percurso acidentado de um gato tomado de amores por um Toyota Corolla, acode-nos uma dissonância sentimental, misto de entusiasmo e de pena. Valem ao bicho as sete vidas bipolares de um felino zombie pinga-amor eventualmente pelado. Em suma, o humor e a compaixão de braço dado na promoção de um automóvel.
Marca: Toyota Corolla. Título: Cat. Agência: Saatchi & Saatchi New Zealand. Direção: Hamish Rothwell. Nova Zelândia, Outubro 2012.
A ilusão: Da iluminura ao postal ilustrado
No postal publicado pela Catarina Miranda, colega de equipa de investigação, publicado no blogue Postais Ilustrados (http://postaisilustrados.blogspot.pt/, 14 de Outubro), a página do Commercio do Minho é enrugada pelos “dous rasgões irregulares” que parecem irromper da superfície do postal (ver figura).
Postais com relevo já circulavam no início do séc. XX. Atente-se, por exemplo, neste Mappa do Coração, postado em 1914 a bordo do navio Congo. Mas não, a ideia não era fazer um postal com relevo mas um postal que proporcionasse a sensação de uma terceira dimensão. Mais ou menos como algumas imagens medievais. Recordo três que tinha ciosamente reservadas para um texto que nunca mais acaba sobre a desgravitação (ausência ou distorção da gravidade) nas iluminuras medievais e nos media actuais.
O livro de horas de Gian Galiazzo Visconti, duque de Milão, foi feito no final do séc. XIV por dois ilustradores: Giovannino dei Grassi e, após a sua morte, Belbello da Pavia. Está depositado na Biblioteca Nacional de Florença. Concentrêmo-nos na seguinte página (L’eterno e gli eremiti):
Parte da imagem condiz com o esquem visual a a que estamos habituados: as torres e os veados “pesam” no sentido do fundo da página. Mas o recorte com a divindade e com os demónios lembra os rasgões do postal do Commercio do Minho; em relação à superfície da página, sobressai, por um lado, o arco com os raios de fogo e afunda-se, por outro, o círculo reservado à divindade. Os insectos, por sua vez, desempenham um papel deveras curioso. A disposição, aliada à minúcia da pintura, dá a impressão que os insectos transitam sobre a página fora da imagem. Em suma, numa parte da imagem o eixo de gravidade remete, normalmente, para o fundo de página e noutra parte o eixo de gravidade remete, deliberadamente, para a superfície da página.
Os ilustradores da Idade Média eram exímios na criação de ilusões. Algumas artes foram sucessivamente apuradas. É o caso das seguintes imagens do Da Costa Hours, um livro de horas português, concluído cerca de 1515, da autoria de Simon Bening. Vendido a estrangeiros em finais do século XIX, destaca-se como um dos manuscritos mais preciosos da Morgan Library, de Nova Iorque.
Neste livro de horas, “São Jerónimo em penitência” é emoldurado por flores que dão a impressão de terem sido pousadas sobre a imagem. Mais complexa resulta a disposição das flores no fundo da página: nascem na imagem para logo (sobres)sair dela. Registe-se, por último, que, volvido um século, aparece, na parte inferior da página, uma abelha a assumir a função das moscas do Livro de Horas de Visconti.
Os recursos para obter um efeito de relevo abundavam na Idade Média. Na “Flagelação de Cristo”, no Livro de Horas de Da Costa, as voltas dos colares apelam a uma focagem tacteante que dificulta qualquer veleidade de achatamento da imagem. O colar vermelho, pendurado na própria moldura da cena da flagelação, parece oscilar para dentro e para fora da imagem.
O que têm os livros de horas a ver com os postais ilustrados? Muito pouco. Uns são de devoção, os outros nem por isso. Os livros de horas eram caríssimos, os postais são acessíveis. Os livros de horas eram bens familiares de luxo transmitidos ciosamente de geração em geração, facto que explica terem sobrevivido milhares de exemplares. Mas há algumas características que os aproximam. Destinam-se ao prazer do olhar, bem como à intimidade do toque. São portáteis e para uso individual, senão privado. São praticamente do mesmo tamanho. Partilham, também, alguns traços de estilo. Por último, ambos surgem em momentos excepcionais de explosão social da imagem: por volta do século XIV e finais do século XIX.
As Águas de Atlas
Este anúncio marroquino assenta na relação harmoniosa com a natureza. A interacção relação entre os leões e o ser humano tem uma base real. O protagonista, Kevin Richardson, não é um actor mas um especialista em comportamento animal, que conquistou a confiança de leões, tigres, leopardos, hienas… Existem muitos documentários sobre Kevin Richardson. Seleccionámos dois. A publicidade continua a encarar-nos como seres não lógicos (Vilfredo Pareto): se a paisagem é selvagem e a relação entre o homem e a natureza harmoniosa, então a água só pode ser fabulosa, natural e equilibrada.
Marca: Ain Atlas. Título: Lions. Agência: KLEM. Direção: Clive Will. Marrocos, 2012.
Hipnose
Yoann Lemoine é um realizador de anúncios publicitários e vídeos musicais (Lana Del Rey, Born to die e Blue Jeans; Moby, Mistake; ou Kate Perry, Teenage Dream). Yoann Lemoine é também Woodkid, músico com um EP (Iron) editado em 2011 e um CD (Gonden Age) anunciado para este ano. Lembra, por vezes, o Antony. Compõe, como Woodkid, a música dos seus anúncios e realiza, como Yoann Lemoine, os seus próprios vídeos musicais: Iron, em 2011, e Run Boy Run, em 2012. Teve particular influência no mundo da moda: o vídeo Iron inspirou a colecção outono-inverno Homem 2013 (A soldier on my own) da Christian Dior. Uma vez que já contemplámos o vídeo Iron no artigo Cavalos Empinados (https://tendimag.com/2012/04/08/cavalos-empinados/), segue o vídeo Run Boy Run, forte e fantástico, em escuro preto e branco. Acompanha-o um anúncio em que a leveza colorida e delirante do Lipton Tea consegue a proeza de suspender a gravidade.
Woodkid: Run Boy Run. Dirigido por Yoanne Lemoine. 2012
Marca: Lipton. Título: Green Tea. Agência: DDB Paris. Direção: Yoann Lemoine. França, Novembro 2010.
A Veia Mágica
Filhos das Luzes, da Razão, da Ciência e da Técnica, mantemos acesa a veia mágica! O homem hipermoderno não se desfaz do “pensamento mágico” (Lucien Lévi-bruhl), entrega-se, pelo contrário, ao “reencantamento do mundo” (Max Weber) e ao “fetichismo da mercadoria” (Karl Marx). Uma trinca na pastilha Halls e era uma vez o gato borralheiro.
Marca: Halls. Título: Wire-Frame Car. Agência: Ogilvy Cape Town. Direção: Terence Neale. República da África do Sul, Setembro 2012.
O Pecado na Publicidade
Séculos de cultura judaico-cristã habituaram-nos a associar o prazer e o desejo ao pecado. Tradição que a publicidade reinterpreta num novo triângulo infernal: a mercadoria é pecado, o consumidor desejo e o anúncio tentação. Muitos anúncios, como o célebre Bouteille, da Perrier (1976), convocam o pecado (ver https://tendimag.com/2011/10/19/a-mulher-o-homem-e-o-objecto/). Acrescentemos dois casos:
O primeiro, Don Patillo, das massas Panzani, é uma paródia da saga do cinema Don Camilo. Um padre de aldeia não resiste, anúncio após anúncio, ao sabor das massas Panzani. Deus admoesta-o, mas compreende.
Marca: Pâtes Panzani. Título: Don Patillo. França. 1975?
O segundo caso diz respeito ao anúncio Les p+echés capitaux, da Mercedes (1998). Seis pecados envolvem, sucessivamente, o automóvel: a inveja; a luxúria; a ira; a preguiça; o orgulho; a avareza. Só falta a gula (do Don Patillo). Como ressalta a voz-off, “ do 13 ao 16 de Setembro, os novos mercedes são um convite ao pecado”. Trata-se, de algum modo, de uma atualização da roda dos Sete Pecados Mortais de Hieronymus Bosch (1500).
Marca: Mercedes Benz. Título: Les péchés capitaux. Agência: FCB. França, 1996.
A publicidade é uma feira que não vende indulgências mas antes lenha para a fogueira. O pecado na publicidade, eis um tema de investigação interessante.