Boa Disposição Divina. A Virgem e o Menino Sorridentes

1. Virgin and Child. North French, ca. 1250. The Metropolitan Museum of Art. Detalhe

Se há algo que podemos aprender da Virgem Maria é a sua ternura. (Madre Teresa de Calcutá)

Entretenho-me a procurar e a contemplar imagens da Virgem Maria com o Filho. Um mundo diversificado sem fim. Não obstante, encontrei um número deveras reduzido, apenas meia dúzia em centenas, com ambos a sorrir.

Habitualmente, a Virgem apareça hierática, reservada, pensativa, preocupada, amargurada, dolorosa, eventualmente atenciosa e afetuosa. Mas não divertida!

2. Virgin and Child. North French, ca. 1250. The Metropolitan Museum of Art

Raras e inesperadas, as imagens com a Virgem e o Menino bem-dispostos surpreendem e impressionam. Proporcionam um belo efeito, porventura terapêutico, a incentivar oração frequente. Difíceis de encontrar, partilho imagens, dos séculos XIII a XVI, que tenho o esmero e o deleite de guardar numa pasta intitulada “A Virgem e o Menino Bem-Dispostos”. Dêmos graças!

Imagens da Virgem e do Menino Sorridentes (sécs. XIII a XVI)

Se Maria aglomera tantas designações, funções, figuras, templos, lendas, devoções e orações, também pode haver lugar para uma Nossa Senhora da Alegria. Por exemplo, em França, existe a basílica e a lenda de Notre-Dame de Liesse (liesse: alegria; júbilo), em Espanha, em Toledo, a escultura e a lenda da Senhora-a-Branca; e no Brasil, a pintura com a Nossa Senhora da Alegria (dos Prazeres).

Lenda da Virgem de Liesse

A História de Nossa Senhora da Alegria começa na época das cruzadas, quando foram feitos três prisioneiros que foram ameaçados a renegar a sua fé.
Contudo, ao contrário do que se pretendia, ainda conseguiram converter a filha do príncipe, que, não só os ajudou a fugir, como também foi com eles, levando uma imagem da Virgem Maria.
Apesar de terem conseguido fugir com alguma facilidade, a sua situação continuava bastante perigosa. Uma noite, adormeceram desanimados e abatidos com receio das incertezas do futuro.
Quando acordaram, para sua surpresa, perceberam que estavam em França, sua terra natal. Ou seja, durante a noite foram transportados milagrosamente do Egito, onde tinham sido presos, para a França.
Para completar, no dia seguinte, encontraram no mesmo lugar uma estátua da mesma imagem de Nossa Senhora que tinham com eles aquando da fuga.
Por esse motivo, construíram um santuário dedicado à Nossa Senhora, que multiplicou as bênçãos e graças derramadas. Atendendo à alegria que o santuário representava na vida dos três prisioneiros, foi dado o nome de Santuário de Nossa Senhora de Lièsse, que significa Nossa Senhora da Alegria.
A Igreja foi construída em 1134, reconstruída em 1384 e ampliada em 1480. Em 1923, tornou-se Basílica.

(a partir de https://tendadosenhor.com.br/a-historia-de-nossa-senhora-da-alegria/)
12. Basilique Notre Dame de Liesse.. Aisne. Hauts-de-France

Por que a Virgem Branca está rindo? Lenda da Catedral de Toledo.

A catedral de Toledo contém uma grande coleção de tesouros, arte, curiosidades… e também lendas. No coro é admirada e venerada uma imagem da Virgem, sob o título de Nossa Senhora Branca, feita em alabastro branco com policromia dourada. E, como não poderia deixar de ser em Toledo, também tem a sua lenda.
Durante muitos meses as festividades e homenagens pelo casamento de Beatriz de las Roelas e Dom Santiago Galán em 1569 foram lembradas em Toledo. Beatriz era conhecida pela nobreza e generosidade da sua família e Santiago era um jovem fidalgo que, tendo ficado órfão ainda criança, foi levado sob a proteção da casa de Orgaz. Foi a Senhora de Orgaz quem fez um esforço especial para que ambos os jovens consistissem no casamento.
Beatriz foi uma fiel devota da Virgem Branca da Catedral de Toledo, cuja imagem serviu de testemunha divina no dia em que contraíram o casamento e fidelidade para sempre. Esta Virgem está no centro do coro da catedral e sempre foi venerada em Toledo com o nome de Nuestra Señora la Blanca.
Os primeiros meses do casal transcorreram felizes, longe de problemas, misérias e penalidades. Uma tarde tudo mudou repentinamente, quando Beatriz anunciou ao marido que ele seria pai, mas ao contrário do que se esperava, observou com espanto que a tristeza aparecia no rosto do seu amado, porque nesse mesmo dia o Senhor de Orgaz lhe tinha dado ordem para comandar parte de suas tropas e ir para a guerra.
Mais resignada do que compreensiva diante de tanta desgraça repentina, ela jurou-lhe que iria todos os dias que durasse sua ausência prostrar-se diante da imagem da Virgem Branca para que ela o protegesse no campo de batalha e cuidasse de ela e seu futuro filho até seu retorno.
Meses longos e angustiantes se passaram. O primogénito nasceu com o nome do pai. Ocasionalmente chegavam notícias dos combates, mas nenhuma referência a Santiago.
Todas as tardes, Beatriz e o seu filho atravessavam os imensos e solitários espaços da Sé Catedral para se prostrarem diante da sua Virgem pedindo proteção ao seu ente querido e um sinal de que tudo ia bem, que ele voltaria saudável e que seriam felizes, mas o a intensa devoção da toledana não conseguiu arrancar nenhum sinal divino que lhe desse a esperança necessária para continuar esperando.
Mais de um ano se passou sem notícias de Santiago. Entre os círculos da corte toledana ninguém esperava o retorno vivo e alguns até propuseram celebrar uma missa pela alma do miserável.
A suposta viúva recusou, garantindo que o marido estava sob a proteção da Virgem Branca e que regressaria. A família começou a se preocupar, temendo até que ela enlouquecesse, quando aumentou o número de visitas diárias à imagem da Virgem.
Duas ou até três vezes por dia, ela atravessava as naves da Primada, acompanhada pelo pequeno Santiago, para continuar a mostrar a sua devoção.
Naquele 8 de setembro, festa da Virgem Branca, fazia um ano e meio que ninguém sabia alguma coisa sobre Santiago. Naquele dia ela sentou-se com o filho no primeiro dos bancos, diante do olhar atento de todos os presentes que já a achavam louca.
Mas depois da cerimnia algo aconteceu. As pessoas perceberam que Dona Beatriz, com o rosto iluminado de felicidade, estava rodeada por uma espécie de luz que se destacava das demais. Quando os demais participantes procuraram a fonte de luz, viram como a imagem da Virgem Branca inclinou a cabeça e sorriu abertamente.
Naquele momento, um barulho de esporas tirou do espanto e da curiosidade os que ali estavam e ao virarem a cabeça viram um quase irreconhecível Santiago Galán, de longa barba, roupas esfarrapadas e sinais de ter passado muita fome.
Os maridos se abraçaram no meio da cerimônia e Santiago conheceu ali o filho, diante da Virgem que o protegeu durante quase dois anos de batalhas e cativeiro.
Texto original: Rafael Ramírez Arellano em “Nuevas tradiciones toledanas”, 1916. Em versão de Javier Mateo e Luis Rodríguez Bausá em “La Vuelta a Toledo en 80 leyendas”. (https://toledospain.click/why-is-the-white-virgin-laughing-a-legend-of-toledo-cathedral/)

Oração a Nossa Senhora da Alegria

Na calma deste momento, furtando-me do corre-corre da vida, eu me recolho em Ti. Senhora da alegria, olha a minha audácia: na singeleza da minha oração, eu te dou a minha alegria. Como é bom ser alegre. Obrigado Senhora! Foi teu dom.
Como é agradável ter a alma em paz. Ela é tua também. Como é maravilhoso ter a alma branda. Razão de ser de toda alegria. Senhora, nos dias ensolarados e nas noites entreabertas, um sorrir sincero indique a alegria sempre em mim.
Que eu saiba sorrir a Ti em todas as circunstâncias da vida, nas festas, nas tormentas, no meu próximo. Sorria eu, Senhora, para aprender com Teu salmista a servir a Senhora, na alegria. Que assim seja em nome de Teu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
Nossa Senhora da Alegria, rogai por nós!

(a partir de https://tendadosenhor.com.br/a-historia-de-nossa-senhora-da-alegria/)

Animação

Tenho em casa um nipófilo adepto dos animes. Costuma prendar-me com novidades e curiosidades. No passado mês de abril, estreou a série Kaiju. No. 8. O genérico de abertura é deslumbrante. Ao contrário da generalidade dos animes, quase dispensa o figurativo. Formas, movimentos, sons e cores insinuam-se, esboçam-se e atropelam-se a um ritmo estonteante, para antecipar sensações e emoções em vez de conteúdos, narrativas e significados. Uma aposta original e arriscada que tudo indica ter resultado.

Genérico de abertura do anime Kaiju. No. 8. Abril de 2024. Música: Abyss, dos YUNGBLUD

As caraterísticas do genérico de abertura de Kaiju. No. 8 lembram-me um vídeo com anúncios a automóveis que produzi há décadas (Dobras e Fragmentos – A turbulência dos sentidos na publicidade de automóveis, 2007). Resultou uma colheira “bem apanhada”. Destaco, especialmente, o anúncio See How It Feels, da BMW (2007). Tempos em que bibia a beleza do mundo!

Seguem o anúncio See How It Feels, da BMW; o vídeo Dobras e Fragmentos – A turbulência dos sentidos na publicidade; e o texto homónimo correspondente ligeiramente ligeirament diferente do publicado no livro Vertigens (mais imagens e a cores).

BMW (See How it Feels, WCRS, Londres, 2007
Dobras e Fragmentos. A turbulência dos sentidos na publicidade de automóveis. Por Albertino Gonçalves. 2007.

Anjo (da) guarda

Jean Michel Basquiat, Untitled (Angel), 1982

A toda a hora e em todo lado
Posso contar com a sua vigia
Não usa arma, não usa a força
Usa uma luz com que ilumina a minha vida
(António Variações)

Jean Michel Basquiat. Fallen Angel. 1981

58, 56, 54,
Good angels at my door.
63, 62, 61, 60, 59, 58,
Good angels at my gate
59, 58, 57, 56, 55, 54,
Good angels at my door.
(Manfred Mann’s Earth Band)

Sax Berlin. Dollar Angel. Contemporary Expressionist Street Art. 2018

Outrora, o anjo da guarda era uma graça providencial, uma preciosidade desejada. Hoje, proliferam os anjos guardas caídos como chuva, guardiões do templo que infestam e infetam as nossas vidas.

Seguem as canções “Anjinho da Guarda”, do António Variações, e “Angels At My Gate”, dos Manfred Mann’s Earth Band.

António Variações – Anjinho da Guarda. Anjo da Guarda. 1983. Ao Vivo No Rock Rendez-Vous, 1984
Manfred Mann’s Earth Band – Angels At My Gate. Angel Station. 1979. Ao vivo em Colónia, Alemanha, em 2000

Mãos que protegem; mãos que castigam

Mãos exageradas, para orientar o olhar para o Menino e para significar proteção. Virgen con el Niño. Catedral de Nuestra Señora de la Asunción. Valladolid. Meados do séc. XIII.

Moi j’ai les mains sales. Jusqu’aux coudes. Je les ai plongées dans la merde et dans le sang. Et puis après ? Est-ce que tu t’imagines qu’on peut gouverner innocemment ? (Jean-Paul Sartre. Les Mains Sales. Éditions Gallimard. 1948. Pág. 200)

A associação francesa StopVEO Enfance Sans Violences acaba de publicar um anúncio de sensibilização excelente a alertar para a violência de que são vítimas as crianças com a justificação de contribuir para a sua educação. A mão, motivo principal brilhantemente explorado, remete sobretudo para o contato físico. Aguarda-se uma segunda parte que incida sobre a cabeça e a violência psicológica. Evidência que a Stop VEO não ignora:

“L’acronyme « VEO » est la Violence (physique, psychologique ou verbale) utilisée envers les enfants dans une intention Éducative (pour leur « bien », pour qu’ils aient un « bon comportement »), culturellement admise et tolérée, dans tous les lieux et tous les milieux ; elle en devient alors « Ordinaire ».”
“Les conséquences de la VEO sont considérables. Elles constituent une question de santé publique parce qu’elle est encore très largement employée : 85 % des parents reconnaissent avoir recours à la fessée (71,5% à des « petites gifles »). La moitié des enfants sont frappés avant l’âge de 2 ans, et les trois quarts avant l’âge de 5 ans (étude menée par l’OVEO (Observatoire de la violence éducative ordinaire) en 2017)”. (https://stopveo.org/veo-violence-educative-ordinaire/)

Anunciante: StopVEO Enfance Sans Violences. Título: The Legacy. Agência: Publicis Conseil, Paris. Direção: Cole Webley. França, abril 2024

Fetal / Fatal

Uma coisa é uma estação ferroviária na qual passado e futuro são comboios que deslizam um contra o outro, provocando o movimento relativo que gosto de chamar agora. Esse agora é muito diferente do agora pontual de um relógio. Os relógios e a metafísica alimentam a ilusão de que o agora é uma espécie de ponto ou átomo, pré-embalado, predefinido. Mas, num certo sentido, não há presente, nem presença, exceto esse agora cintilante causado pelo deslizamento do futuro sobre o passado, sem se tocar (Timothy Morton, “From Things Flows What We Call Time,” in Olafur Eliasson et al., eds., Spatial Experiments: Models for Space Defined by Movement, Thames and Hudson, 2015, 349-351. M.T.)

Onde o ninho, o abrigo, o jazigo? O início, o presente, o fim? A forja, o anel, a (j)unção?

Palavras, palavras, só palavras.

Mais gemido do que sentido.

Desencontro. Uma dança a solo.

Francis Bacon, Portrait of Isabel Rawsthorne Standing in a Street in Soho, 1967. Photo by Prudence Cuming Associates Ltd

Ólafur Arnalds – This Place Was A Shelter. Living Room Songs. 2011
Billie Eilish, Khalid – lovely. 13 Reasons Why (Season 2). 2018
Dança: Kayla Johnson – Not My Responsibility – Senior Solo. Música: Billie Eilish, álbum Happier Than Ever. 2021

O Novo Jonas

Pare, escute e olhe!

Jonas vomitado pela baleia. Séc. III. Roma. Catacumbas de São Marcelino e São Pedro

33 Ou fazei a árvore boa, e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má, e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore.
34 Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca.
35 O homem bom tira boas coisas do bom tesouro do seu coração, e o homem mau do mau tesouro tira coisas más.
36 Mas eu vos digo que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo.
37 Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado.
38 Então alguns dos escribas e dos fariseus tomaram a palavra, dizendo: Mestre, quiséramos ver da tua parte algum sinal.
39 Mas ele lhes respondeu, e disse: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém, não se lhe dará outro sinal senão o sinal do profeta Jonas;
40 Pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra.
41 Os ninivitas ressurgirão no juízo com esta geração, e a condenarão, porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis que está aqui quem é maior do que Jonas. (Mateus 12. Biblia Online)

Novo Amor – Birthplace. Birthplace. 2018
Jonas e a Baleia. Fragmento de Sarcófago. Catacumba de Priscila. Séc. III (275-300). Musée du Louvre, Département des Antiquités grecques, étrusques et romaines, MND 1404 – https://collections.louvre.fr/ark:/53355/cl010277173https://collections.louvre.fr/CGU

Jonas 1
1 E veio a palavra do SENHOR a Jonas, filho de Amitai, dizendo:
2 Levanta-te, vai à grande cidade de Nínive, e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até à minha presença.
3 Porém, Jonas se levantou para fugir da presença do Senhor para Társis. E descendo a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem, e desceu para dentro dele, para ir com eles para Társis, para longe da presença do Senhor.
4 Mas o Senhor mandou ao mar um grande vento, e fez-se no mar uma forte tempestade, e o navio estava a ponto de quebrar-se.
5 Então temeram os marinheiros, e clamavam cada um ao seu deus, e lançaram ao mar as cargas, que estavam no navio, para o aliviarem do seu peso; Jonas, porém, desceu ao porão do navio, e, tendo-se deitado, dormia um profundo sono.
6 E o mestre do navio chegou- se a ele, e disse-lhe: Que tens, dorminhoco? Levanta-te, clama ao teu Deus; talvez assim ele se lembre de nós para que não pereçamos.
7 E diziam cada um ao seu companheiro: Vinde, e lancemos sortes, para que saibamos por que causa nos sobreveio este mal. E lançaram sortes, e a sorte caiu sobre Jonas.
8 Então lhe disseram: Declara-nos tu agora, por causa de quem nos sobreveio este mal. Que ocupação é a tua? Donde vens? Qual é a tua terra? E de que povo és tu?
9 E ele lhes disse: Eu sou hebreu, e temo ao Senhor, o Deus do céu, que fez o mar e a terra seca.
10 Então estes homens se enche-ram de grande temor, e disseram-lhe: Por que fizeste tu isto? Pois sabiam os homens que fugia da presença do Senhor, porque ele lho tinha declarado.
11 E disseram-lhe: Que te faremos nós, para que o mar se nos acalme? Porque o mar ia se tornando cada vez mais tempestuoso.
12 E ele lhes disse: Levantai-me, e lançai-me ao mar, e o mar se vos aquietará; porque eu sei que por minha causa vos sobreveio esta grande tempestade.
13 Entretanto, os homens remavam, para fazer voltar o navio à terra, mas não podiam, porquanto o mar se ia embravecendo cada vez mais contra eles.
14 Então clamaram ao Senhor, e disseram: Ah, Senhor! Nós te rogamos, que não pereçamos por causa da alma deste homem, e que não ponhas sobre nós o sangue inocente; porque tu, Senhor, fizeste como te aprouve.
15 E levantaram a Jonas, e o lançaram ao mar, e cessou o mar da sua fúria.
16 Temeram, pois, estes homens ao Senhor com grande temor; e ofereceram sacrifício ao Senhor, e fizeram votos.
17 Preparou, pois, o Senhor um grande peixe, para que tragasse a Jonas; e esteve Jonas três dias e três noites nas entranhas do peixe.
Jonas 2
1 E orou Jonas ao SENHOR, seu Deus, das entranhas do peixe.
2 E disse: Na minha angústia clamei ao Senhor, e ele me respondeu; do ventre do inferno gritei, e tu ouviste a minha voz.
3 Porque tu me lançaste no profundo, no coração dos mares, e a corrente das águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado por cima de mim.
4 E eu disse: Lançado estou de diante dos teus olhos; todavia tornarei a ver o teu santo templo.
5 As águas me cercaram até à alma, o abismo me rodeou, e as algas se enrolaram na minha cabeça.
6 Eu desci até aos fundamentos dos montes; a terra me encerrou para sempre com os seus ferrolhos; mas tu fizeste subir a minha vida da perdição, ó Senhor meu Deus.
7 Quando desfalecia em mim a minha alma, lembrei-me do Senhor; e entrou a ti a minha oração, no teu santo templo.
8 Os que observam as falsas vaidades deixam a sua misericórdia.
9 Mas eu te oferecerei sacrifício com a voz do agradecimento; o que votei pagarei. Do Senhor vem a salvação.
10 Falou, pois, o Senhor ao peixe, e este vomitou a Jonas na terra seca.
Jonas 3
1 E veio a palavra do SENHOR segunda vez a Jonas, dizendo:
2 Levanta-te, e vai à grande cidade de Nínive, e prega contra ela a mensagem que eu te digo.
3 E levantou-se Jonas, e foi a Nínive, segundo a palavra do Senhor. Ora, Nínive era uma cidade muito grande, de três dias de caminho.
4 E começou Jonas a entrar pela cidade caminho de um dia, e pregava, dizendo: Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida.
5 E os homens de Nínive creram em Deus; e proclamaram um jejum, e vestiram-se de saco, desde o maior até ao menor.
6 Esta palavra chegou também ao rei de Nínive; e ele levantou-se do seu trono, e tirou de si as suas vestes, e cobriu-se de saco, e sentou-se sobre a cinza.
7 E fez uma proclamação que se divulgou em Nínive, pelo decreto do rei e dos seus grandes, dizendo: Nem homens, nem animais, nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem se lhes dê alimentos, nem bebam água;
8 Mas os homens e os animais sejam cobertos de sacos, e clamem fortemente a Deus, e convertam-se, cada um do seu mau caminho, e da violência que há nas suas mãos.
9 Quem sabe se se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos?
10 E Deus viu as obras deles, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha anunciado lhes faria, e não o fez.
Jonas 4
1 Mas isso desagradou extremamente a Jonas, e ele ficou irado.
2 E orou ao Senhor, e disse: Ah! Senhor! Não foi esta minha palavra, estando ainda na minha terra? Por isso é que me preveni, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que te arrependes do mal.
3 Peço-te, pois, ó Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver.
4 E disse o Senhor: Fazes bem que assim te ires?
5 Então Jonas saiu da cidade, e sentou-se ao oriente dela; e ali fez uma cabana, e sentou-se debaixo dela, à sombra, até ver o que aconteceria à cidade.
6 E fez o Senhor Deus nascer uma aboboreira, e ela subiu por cima de Jonas, para que fizesse sombra sobre a sua cabeça, a fim de o livrar do seu enfado; e Jonas se alegrou em extremo por causa da aboboreira.
7 Mas Deus enviou um verme, no dia seguinte ao subir da alva, o qual feriu a aboboreira, e esta se secou.
8 E aconteceu que, aparecendo o sol, Deus mandou um vento calmoso oriental, e o sol feriu a cabeça de Jonas; e ele desmaiou, e desejou com toda a sua alma morrer, dizendo: Melhor me é morrer do que viver.
9 Então disse Deus a Jonas: Fazes bem que assim te ires por causa da aboboreira? E ele disse: Faço bem que me revolte até à morte.
10 E disse o Senhor: Tiveste tu compaixão da aboboreira, na qual não trabalhaste, nem a fizeste crescer, que numa noite nasceu, e numa noite pereceu;
11 E não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que estão mais de cento e vinte mil homens que não sabem discernir entre a sua mão direita e a sua mão esquerda, e também muitos animais?
(Jonas, Biblia Online)

Zodíaco do Antigo Egipto. Entre o sonho e a realidade

Templo de Khnum, deus com cabeça de carneiro, em Esna, no Alto Egito. Detalhe

“Dói-te alguma coisa?
Dói-me a vida, doutor.
E o que fazes quando te assaltam essas dores?
O que melhor sei fazer, excelência.
E o que é?
É sonhar.”
(Mia Couto, O fio das missangas. Caminho, 2003)

Sonho, logo insisto! No palco de um teatro grego, a Universidade retira a máscara clássica e anda de mãos dadas com a Farsa, enquanto, devagar e sorrateiro, se aproxima o Trágico. Dou um esticão nos neurónios e catapulto-me para o outro lado do Mediterrâneo. No que resta do Templo de Khnum em Esna, no Alto Egito, a 50 quilômetros ao sul de Luxor, a poeira de séculos e as inconveniências das aves ocultam relevos magníficos e pinturas prodigiosas.

Oportuna, uma equipa de arqueólogos da universidade alemã de Tübingen empenha-se numa lenta e longa limpeza, sistemática, profunda e cuidada das colunas, paredes e tetos. À semelhança dos frescos e mosaicos de Pompeia, o que cobre acaba por preservar. Oferece-se uma policromia extraordinária, quase intacta, de deuses híbridos e figuras astrológicas, incluindo um zodíaco da era ptolemaica, motivo raro importado dos babilónios ou dos romanos, que, milenar, nos interpela. Um tesouro insuspeito de cores vivas. O Egipto não se cansa de nos surpreender!

E flutuo, lúdico, a ensaiar identificar os signos: sagitário, escorpião, leão, balança, gémeos… Eis que, de súbito, esferas animadas dançam na noite escura do ecrã. Estremeço, belisco-me, esfrego os olhos… Afinal, não são sonhos, senhor(a), mas realidades!

Galeria: Fotografias do Templo de Khnum em Esna, no Alto Egipto

De longe até jamais

De longe para longe…

Só sei que pouco fui. Porventura, tímida semente e efémera centelha.

Resvalar para dentro de si e sentir-se bem a sós consigo é um terno e doce conforto. Propicia-se a imaginar alguém a sorrir-nos de muito longe, a dois dedos do infinito. E invade-nos, lenta e suavemente, uma consolada gratidão.

… um abraço digital.

Tina Guo & Peter Kater – First Embrace. Inner Passion. 2016
Marguerite Monnot – Hymne à l’amour. Edith Piaf, 1950. Por Gautier Capuçon, violoncelo;  Jérome Ducros, piano e arranjo; Adrien Perruchon, diretor;  com a Orchestre de Chambre de Paris
Yiruma – River Flows in You. SOLO: 20th Anniversary. 2021

So fucking special: maravilhas e aberrações

A vida é composta por pequenos rituais. Ao acordar, um comprimido para a tiróide, a medição da tensão e da glicémia e o compasso de um cigarro. Ao trigésimo minuto, o pequeno almoço: café com leite, pão com queijo e uma tangerina. Enquanto a descasco, encanta-me a maravilha que tenho nas mãos. Tanta riqueza que a natureza, recatada, produz!

Livro de Horas, França, séc. XV. Amiens, Biblioteca Municipal, ms. 107)

Resultam, por exemplo, únicos, imensos e fantásticos os sabores, as formas, as texturas e as cores dos frutos. Após cinco comprimidos e outras tantas gotas, novo cigarro, refrescado com água mineral natural gasocarbónica, de preferência de Melgaço.

Aproveito para escutar música: Hoje, uma versão da canção Creep, dos Radiohead. E volto a cismar no excesso, na complexidade e na diversidade do mundo e da vida. Agora, insinuam-se outras criaturas, os monstrinhos, essa outra maravilha que Deus nos deu. Principia deste modo, quase religiosamente, um novo dia.

Beinecke MS 287. Hours, Use of Rome. Final séc. XV. Flandres

Seguem duas versões da canção Creep: o cover pelos Postmodern Jukebox (2015) e, naturalmente, o original, o primeiro single dos Radiohead (1992). Um pequeno apontamento: na letra original, em vez de “So very special“, constava “So fucking special“. Foi censurado à nascença.

Postmodern Jukebox (com Haley Reinhart) – Creep. Emoji Antique. 2015. Ao vivo em 2015
Radiohead – Creep. Single, 1992. Álbum Pablo Honey, 1993.

Sem Meio Termo: Poesia da Vida e da Morte e Canções de Não Sobrevivência

António Joaquim Costa. Poesia da Vida e da Morte. Companhia das Ilhas. 2024

“Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente; quem dera foras frio ou quente!
Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.” (Apocalipse 3:15, 16)

Tenho uma costela de colecionador. Foram selos, minerais e outras preciosidades; agora, imagens, músicas e desenganos. Também medicamentos. Nove difeentes, alguns várias vezes ao dia. Comecei ontem mais um. Para a tensão. Anda alta (tanto que declinei o convite para participar hoje, 25 de Abril, num painel de 2 horas mum canal de televisão).

Nove medicamentos; outras tantas maleitas. Estou a aproximar-me de uma espécie de “transumano”. Como “parar é morrer”, não paro. E quem anda à chuva… Cismo, mesmo assim, que uma décima da tensão se deve à leitura de alguns poemas pouco ou nada apaziguadores.

Muitos sociólogos, à semelhança, por exemplo, dos médicos, namoram as artes e as letras. É o caso do Joaquim Costa que, inspirado, se dedica à poesia. Versos de uma lucidez crua e incisiva que desarmam e desconcertam. Tudo menos escrita morna. Qualidades raras! Percorri de fio a pavio o livro Poesia da Vida e da Morte (Companhia das Ilhas, 2024) e retive, para partilha, uma dúzia e meia de poemas, ciente de que numa segunda leitura, outra seria a escolha. E assim sucessivamente. Segue uma pequena compilação.

Os versos do Joaquim lembraram-me algumas canções, mais de morte do que de vida, de não sobrevivência, todas pouco ou nada relaxantes.

Atendendo ao momento [na rua entoa a Grândola Vila Morena], logo acudiram: Menina dos olhos tristes, de Adriano Correia de Oliveira (1969); Canta camarada (1969) e Cantar alentejano (1971), de José Afonso; e Manolo Mio, da Brigada Victor Jara (1977). De chorar por mais.

Adriano Correia de Oliveira – Menina dos olhos tristes. EP Fado de Coimbra. 1964
José Afonso – Canta camarada. Single. 1969
José Afonso – Cantar alentejano. Cantigas de Maio. 1971. Ao vivo com Rui Pato, no Teatro Avenida em Coimbra.
Brigada Victor Jara – Manolo Mio. Eito Fora. 1977