Nem a morte nos separa
Neste tempo em que a inteligência anda tão estúpida, urge recuperar a sabedoria. “A gravidade é o escudo dos parvos” (Montesquieu, 11899, Pensées et Fragments Inédits de Montesquieu, Bordeaux, G. Gounouilhou).
Descobertos no norte de Itália, em Mântua, os Amantes de Valdaro são um caso raro de esqueletos adultos abraçados. Se não fosse um anacronismo, diria que exalam um efeito de hiper-realidade. Apresentam-se, assim, despojados de carne, mais reais do que o real. Lembram Pompeia, essa sodoma latina em que não é preciso olhar para trás para se ficar petrificado.
Há imagens de morte que arrepiam os neurónios e avariam a fé. Assinalam como é ténue e absurda a fronteira entre a vida e a morte: um campo de concentração, um acidente rodoviário, um atentado terrorista, uma catástrofe natural… No ano 79, as cinzas do Vesúvio sepultaram Pompeia e Herculano. As vítimas petrificadas parecem não ter completado a passagem. Ainda comunicam. Duas cidades enterradas vivas, cujas ruínas foram descobertas, pela primeira vez ,em 1599, durante a construção de um canal, mas, por cuidado, desinteresse ou pudor, a escavação arqueológica só foi iniciada em 1748. Formas únicas, assombrosas, submersas durante, pelo menos, 1520 anos. Volvidos mais de dois mil anos, ainda resta muito a descobrir. A tragédia da vida no regaço da morte.
Pompeia não pára de surpreender. Em dezembro de 2020, foi descoberto uma espécie de quiosque de fast-food exepcionalmente bem conservado, numa área não aberta ao público, e cujas escavações tinham sido parcialmente iniciadas em 2019. Neste espaço, constituído por um balcão com vários cantos e decorado com frescos de cores vivas com animais, existiriam diversos recipientes onde era inserida a comida para ser vendida aos transeuntes. Os animais pintados – dois patos e uma galinha – é certo que faziam parte das iguarias existentes nesta espécie de quiosque, assim como outros animais e plantas, cujos vestígios também foram encontrados. Foram igualmente achados diversos utensílios e ossos. Estes espaços, eram conhecidos como termopólios, por fornecerem refeições e bebidas quentes. (João Nunes da Silva, As mais recentes descobertas de Pompeia, publicado em 15/03/2021: https://www.natgeo.pt/historia/2021/03/as-mais-recentes-descobertas-de-pompeia).
Os Pink Floyd são conhecidos pelas suas extravagâncias. As gravações ao vivo, em 1971, nas ruínas do Anfiteatro de Pompeia não destoam: o filme de um espectáculo sem público num palco improvável. Não obstante, a música dos Pink Floyd ecoa à perfeição nesta galeria de fantasmas sólidos. Durante séculos, os pintores tentaram, em vão, fixar na tela o momento da morte. O Vesúvio conseguiu esculpi-lo, em poucos minutos.
- Herculano
- Pompeia 00
- Pompeia 01
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- Pompeia 3
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- Pompeia 5
- Pompeia 06
- Pompeia 07
- Pompeia 08
5 responses to “Nem a morte nos separa”
Trackbacks / Pingbacks
- Março 31, 2019 -
- Outubro 29, 2021 -
Entrelaçar a morte, no pressuposto de imortalizar a vida!
Republicou isto em Tendências do imaginário and commented:
“Nem a morte nos separa” é um dos meus artigos favoritos do Tendências do Imaginário. Vale a pena relembrar.
Já havia comentado, mas sim, rever “é ver de novo” 🙂 . Verdade, e o que vale a pena, deve ver-se quantas mais vezes melhor. Pois é, já não farei a mesma leitura . Gosto dos Pink Floyd , e porque ninguém sabe onde e porquê, há a pluralidade de interpretação, e como cantam e bem, estou a fazer o melhor que sei…