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Corpo a corpo

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“Na guerra como no amor, só o corpo a corpo dá resultados” (Blaise de Monluc, 1501-1577).

Não conhecia a palavra “nomofobia”: medo ou angústia da privação da comunicação por celular ou por computador. Consta que esta “doença” não é rara nem meiga. Ainda jovem, era canónico criar as palavras compostas a partir de palavras antigas, normalmente gregas ou latinas. Atente-se, por exemplo, na palavra “nomotetia”. Remete para o estabelecimento de leis gerais; provém do grego; da palavra νόμος, lei, e do radical θη, postular, estabelecer (https://pt.wikipedia.org/wiki/Nomot%C3%A9tico). Na Sociologia, os estudos nomotéticos visam leis gerais e os estudos ideográficos incidem sobre casos. Na actualidade, as palavras tendem a ser geradas por colagem, ver bricolage, sem esmeros de etimologia. No artigo anterior, a palavra “Eatkarus” resulta da junção de “eat” (em inglês, comer) e Ikarus (figura mitológica). Nomofobia bebe nas mesmas águas. Nomofobia devia significar algo como medo da lei. Mas a palavra é uma geringonça que combina o inglês No-Mo (No-Mobile; sem telemóvel) e o grego fobos (φóβος). “É uma espécie de miscelânea”.

A dependência do celular é o mote do anúncio Sea of Blue, da Levi’s. A cor do filme não é arbitrária: « muito coerente na sua realização, o anúncio é banhado por uma luz azul, símbolo da ambivalência entre o real e o virtual: o azul da cor dos nossos ecrãs mas também do grande mergulho na vida, e, naturalmente, da ganga da marca” (http://www.culturepub.fr/levis-plonge-dans-la-vie-reelle/).

Junto à piscina, todos os convidados estão concentrados nos celulares. Todos? Menos dois jovens : um rapaz e uma rapariga. E o que começa com uma paródia da comunicação insular acaba num turbilhão carnal em “mar azul”. Agarra o momento, solta o corpo, excita a vida!

Marca: Levi’s. Título: Sea of Blue. Agência: FCB West. Direcção: Laurent Uchrin. USA, Fevereiro 2017.

Cosméticos

OPI

Não basta “encher os olhos”, importa regalá-los. E desintelectualizar. Este anúncio da L’Oréal, dirigido por Bruno Aveillan, lembra outro mais antigo da OPI (2012). Ambos franceses, a marcas de cosméticos, centrados na cor, cada um com o seu esquema de sedução: a fragmentação sensual e um repto de dança a um cavalo, “animal das trevas e do poder mágico”, símbolo “da impetuosidade do desejo”  (Chevalier, Jean & Gheerbrant, Alain, Dictionnaire des Symboles, Paris, Robbert Laffont/Jupiter, 1982, p. 223).

Marca: L’Oréal. Título: Color Rich. Agência: McCann. Direcção: Bruno Aveillan. França, Março 2015. Música original: Raphaël Ibanez de Garayo.

Marca: OPI. Título: Instinct of Color. Agência: DAN Paris. Direcção: Hans Emanuel. França, Outubro 2012.

All you need is love

Fisher PricePoucas horas após a publicação do artigo O fetichismo da mercadoria, o novo anúncio da Fisher Price vem a preceito: “Wishes for Baby” é o paroxismo do espírito de entrega e de partilha. Recém-nascidos durante a passagem de ano foram filmados em nove hospitais de sete países: Brasil, Estados Unidos, Japão, México, Quénia, Bangladesh e Polónia. Nos primeiros momentos pós-parto, o que desejam as mães para os filhos? Esta exortação ao mandamento novo tem a ver com a quadra natalícia? Eis um tema para dissertação de doutoramento: como variam os valores na publicidade ao longo do ano?

“Meet the first YouTube stars of 2015. Delivered in 24 hours, this heartwarming short film captures the excitement and anticipation surrounding some of the first babies born around New Year’s all over the world. Watch real parents hold their babies for the first time, showing that the best possible start in life begins with love” (Fisher Price).

A Fisher Price é uma empresa de jogos e brinquedos. Normalmente, quem compra é para oferecer. Compreende-se, sobremodo, a aposta  no “aquecimento do coração”.

Marca: Fisher Price. Títulos: Wishes for Baby. Agência: Weber Shandwick. Direcção: Patrick Creadon. USA, Janeiro 2015.

Embalar a felicidade

Quino. Cérebro.

Quino. Cérebro.

Houve tempos em que se criava aquilo que se dava. Com a prenda, ia parte da pessoa. Eram “boas obras”! Hoje, compra-se o que se dá. Vendemo-nos embalados. Em vez de boas obras, temos boas mercadorias. “A felicidade não se compra”, mas vende-se! O pai queria criar uma prenda pessoalizada. Estamos na ordem do desejo. O pai acaba por comprar uma Play Station 4. Cedeu ao princípio de realidade. Este anúncio é ousado. O sonho da dádiva pessoalizada resiste e há muito quem suspeite da massificação pela mercadoria. Talvez a Play Station 4 esteja para além do desejo e da realidade.

Marca: Otto. Título: Handmade. Agência: Heimat, Berlin. Direcção: The Perlorian Brothers. Alemanha, 2014.

Teledesejo

Max Klinger. Penelope. 1895.

Max Klinger. Penélope. 1895.

Penélope transformou o teledesejo em tapeçaria. Na Idade Média, os cavaleiros andantes queriam-se teledesejantes. A saudade é  teledesejo embalado no colo dos dias vazios. E, no entanto, os corpos movem-se. Mas o desejo voa!

Chris Peters. At Rest.

Chris Peters. At Rest.

José Afonso, Menina dos Olhos Tristes, 1969.

Máquinas desejadas

Old Spice. Soccer 2

Mais um cheirinho a  Old Spice. Regressa a aposta num protagonista biomecanóide. Uma figura com séculos,  mas, hoje, particularmente infestante. À dita pós-modernidade associam-se duas multiplicidades: a do ser múltiplo e a do ser multiplicado. O ser multiplicado é o maná das identidades líquidas e fragmentadas: uma dúzia (pós-moderna) a agarrar o presente e apenas uma (moderna) a pagar impostos!
Comparando com o artigo anterior (http://tendimag.com/2014/07/25/pos-modernidade-vitoriana/), suspeita-se que, na pós-modernidade modernamente assistida, o que está em voga não é a carne (censurada), mas a máquina (desejada). A tragédia grega tem o coro, Pinóquio, o Grilo Falante e eu, o Demónio Céptico, demónio que me anda a tentar: “a pós-modernidade é, antes de mais, o pós-modernismo, e o pós-modernismo, um movimento intelectual profético, a grande narrativa contemporânea”.

Marca: Old Spice. Título: Soccer. Agência: Wieden+Kennedy USA. USA, Julho 2014.

A Arte de Persuadir

Blaise PascalA febre do emagrecimento tem séculos, pelo menos tantos quanto o processo de civilização (Norbert Elias). A crença em milagres ainda é mais antiga. Neste velho anúncio vislumbra-se um esforço para erotizar aquele saco de gente chamado “combinação”. O desejo é o melhor conselheiro. “A modos que a arte de persuadir tanto consiste em agradar como em convencer, uma vez que os homens se governam mais pelo capricho do que pela razão” (Blaise Pascal, De l’Art de Persuader). Cada um venera seu génio. O meu é Pascal, um sofredor que se desfez deste mundo com 39 anos de idade. Filósofo, descobriu imensas coisas nos mais variados domínios científicos: matemática, lógica, física, mecânica dos fluídos… Se ainda fosse vivo, pedia-lhe para inventar uma máquina de esticanço humano (human chewing gum). Quem passasse pela máquina ficava mais alto e mais magro, em suma, mais elegante! Para marketing, um anúncio com o seguinte lema: Estique-se e tenha pensamentos mais elevados. O mundo agradece.

Marca: Lisette Parienté. Título: La seule combinaison possible! Agência: Publicis. França, anos 1960.

Maçã Misteriosa

Smirnoff. The Apple BiteSurreal, assombroso, liminar. Um clube do outro mundo com figuras misteriosas. A serpente, a maçã, o desejo, o pecado, a mulher e o homem. O novo cocktail é o cocktail de sempre. Os cortes nas sequências de imagens aumentam a sensação de descoordenação e de risco. A atmosfera dantesca lembra o anúncio Vampiros, da Citroen, de 1997 (ver http://tendimag.com/2013/01/08/nos-limites/).

Marca: Smirnoff. Título: The Apple Bite. Agência: Mother, London. Direção: ohnny Hardstaff. Reino Unido, Setembro 2013.

O Desejo e a Norma

Dente-de-leãoSe desejas o que não podes, pode o que desejas. Mas se desejas o que não deves, o caso é mais complicado. Começa por te banhar numa fonte natural próxima. Pode ser férrea, sulfurosa ou calcária. Não interessa. Pousa o coração num ninho de cuco. Lava bem a pele por fora e por dentro. Rememora a tua vida. Desfaz-te de tudo que não seja essencial. Sobrará de ti menos que um esporo de dente-de-leão. Não te esqueças do coração no ninho de cuco. Certifica-te se é capaz de voar. Deita-te numa ponte à espera que o vento te leve onde não deves. Na vida, podes ser mini, mas não sei se tens interesse em ser normal!

“Normal, c’est la norme. Normal, c’est moyen, ordinaire. Habituel. Normal, c’est une valeur sure. C’est familier, confortable et réconfortant. Normal, c’est ce qu’on connait. C’est banal.”

Desejo sem fim

Nora. Desire without endBarroco… Disse Barroco? Como é barroco!

Marca: Nola. Título: Desire without end. Agência: Nola. Direção: Beauté et Bête. EUA, Maio 3013.