Cansaço

Ano novo, corpo velho! Arrasto-me. Um enfisema pulmonar cansa; insuficiência renal cansa; um beta bloqueador para o coração cansa; má circulação cansa; diabetes com glicémia acima de 200 cansa; um cocktail de medicamentos para a “cabeça” cansa; Os triglicerídeos nos 450 cansa. O meu corpo é um calhau da Serra de Arga. A insuficiência renal e a glicémia alta dão sede. Bebo como um danado. Sou um autotanque sem rodas.
Quem dera transplantar o cérebro noutra pessoa. Se me coubesse uma mulher, ainda ficava hermafrodita (ver Robert A. Heinlein, I will fear no evil I, 1970). Entretanto, estou com gripe. Entre mim e a gripe, existe uma atracção fatal. Não obstante as vacinas injectável e oral, consegue abraçar-me. Com gripe, arrasto-me a dobrar. A família entendeu mostrar-me, com humor, um espelho: o poema “Todos os homens são maricas quando estão com gripe”, do António Lobo Antunes, recitado pelo Pedro Lamares. Em boa hora!
“Somos pó, e ao pó voltaremos”. Então, não haverá desigualdades nem doenças. Apenas infortúnios da alma. Por enquanto, somos o que somos. Quem diria que uma canção contemporânea podia ser um belo momento mori?