Momentos mui raros
Raros o forno, o pão e a gargalhada. Em boa companhia e sabedoria. Depois da tenda com chouriço, do pão com chocolate e da sopa de batata, só faltou queimar as calorias com uma dança ao jeito, por exemplo, do Grupo Etnográfico da Casa do Povo de Melgaço ou com uma música da Brigada Victor Jara.
Conversas soalheiras
Nos últimos dias estive arredado da Internet. Reentreguei-me, com bengala e apoio, ao dito “trabalho de terreno”, em Castro Laboreiro, para as bandas da Senhora de Anamão. “Trabalho de terreno não é designação apropriada”: nem colheira de batatas, nem trabalho, apenas o desafio e o prazer de conversar entre velhos. Os castrejos dominam a arte da palavra: franca, hábil, substantiva e certeira. Furtando-me a despiques, que sei perder, apenas escuto e incentivo. Mesmo assim não me poupam: “o senhor é fresco”; “sabe-a toda”, “é preciso ter cuidado consigo”, “não é agora de velhos que vamos começar a namorar”.
Os testemunhos fluem par memória futura: “dizíamos cada palavrão”, “enchíamos as bexigas com água para molhar a gente”; “púnhamos tojos num saco para atirar”; “até subimos com a mula da moleira pelas escadas para entrar na casa”; “numa vez fizemos um burro de madeira, deste tamanho [cerca de um metro de altura”, vestimo-lo e andamos com ele por todo o eido”; “vinha [fulana] da fonte com o caneco cheio de água e [sicrana] enfiou-lho todo pela cabeça a baixo, ficou toda molhadinha, não teve outro remédio senão ir buscar outro… não! não levou a mal! o entrudo tocava a todos, ninguém se punha de fora”; “dizíamos cada palavrão!”…
Regressei por entre fragas e prados com o corpo torrado e moído mas a alma vigorosa e fresca, como o rio Laboreiro a correr para o Minho e o Minho para Moledo. Seguem três canções interpretadas por Né Ladeiras: Todo Este Céu; Benditos; e A Lenda da Estrela.
Castro Laboreiro. A arte do documentário.
Coloquei, na semana passada, o segundo episódio do documentário Castro Laboreiro, realizado por Ricardo Costa. Hoje, vou ao recanto do Valter Alves no YouTube pedir emprestado o primeiro episódio: Inverneiras. Tomo a iniciativa de o partilhar não apenas porque aborda as gentes de Castro Laboreiro mas também pela qualidade intrínseca do próprio documentário, nomeadamente a fotografia, a montagem e a realização. Em muitos planos e sequências, por detrás da câmara de Ricardo Costa, parece insinuar-se o grande Andrei Tarkovsky. Por exemplo, na interminável caminhada na neve. “saboreia-se a imagem”. Um olhar concentrado, sóbrio e demorado que retrata uma realidade ascética, ancestral e resistente. Ao mesmo tempo cósmica, a rondar o místico.
Afinal, o que fica? Ainda os Farrangalheiros.
Existem, afortunadamente, registos do Entroido de Castro Laboreiro. O documentário Castro Laboreiro: Transumâncias, realizado por Ricardo Costa, em 1979, dedica um episódio de dois minutos ao Entroido castrejo (a partir de 20:50).
Agradeço ao geógrafo conterrâneo Valter Alves o acesso a esta relíquia. Incansável, tem-se empenhado em resgatar documentação sobre Melgaço proveniente de uma multiplicidade de arquivos, alguns raros e improváveis, que publica na página Melgaço, entre o Minho e a Serra: https://entreominhoeaserra.blogspot.com/. Tenho imenso gosto na nossa colaboração.
Ricardo Costa
Outros conterrâneos e outras páginas também zelam pela partilha de informação sobre o concelho. Por exemplo, Fred Sousa, administrador de Melgaço, Portugal começa aqui, e Justino Vieira, de FAS DE MELGAÇO. Sempre a aprender, sempre a corrigir.