O perfume e o hálito

O Tendências do Imaginário dedicou uma série de artigos a anúncios de perfumes. Lugares mágicos, modelos extra belos e fragâncias sedutoras. Importa dissentir!
O ser humano dá sentido a tudo, e tudo avalia. A começar pelo corpo. É de entendimento comum que existem fenómenos corporais que são bons e outros que são maus. O que sai do corpo tende a ser desagradável: a transpiração, a urina, os excrementos, a mucosidade, a cera, o cuspo, o hálito… Existem, porém, excepções: o parto, a lágrima e a palavra. A alimentação e a respiração são bons exemplos desta dualidade: os alimentos são bons, mas o arroto e vómito são maus; inspirar é bom, expirar, nem por isso. Desçamos, pois, da alteza dos perfumes para a baixeza do corpo.
No anúncio tailandês, da Dentiste, o mau hálito ameaça a interacção humana. Entre modulações e repetições, durante seis minutos, os contratempos do mau hálito são ridicularizados. Com imaginação e desenvoltura. Bizarro, disse bizarro? Estranho. A percepção do corpo dos orientais difere, porventura, da nossa.
Quando o corpo incomoda a alma
Avoir un corps, c’est la grande menace pour l’esprit (Marcel Proust, Le temps retrouvé, NRF, 1927).

O corpo fala. Não se cala. E grita! Dores, avisos, urgências e avarias; a alma não sossega. A quem tem o purgatório em vida, apetece-lhe cegar os sentidos, pontapear o mundo e puxar o paraíso pelos cabelos.
A Bíblia permite várias interpretações. No Génesis, Adão e Eva andavam nus. Mal comeram a maçã, procuraram folhas de figueira para se resguardar. Foi nesse preparo que Deus os encontrou. O primeiro castigo não foi o trabalho, nem o parto, mas o corpo! Acontece zangar-me com o corpo. E não adianto nada.
A canção Child in Time, dos Deep Purple, vem, já tardava, a talhe de foice.