Pode ser!

Georges Brassens“Um dia surgirá, por distracção do senhor, uma geração com direito a tudo e vontade de nada, bem-aventurada nos recursos e melancólica nas consequências. A geração do “pode ser” consta entre as mais esfíngicas dos últimos séculos” (AG, 2016).

O anúncio Scouts (Canal Digital) é absurdo, um exemplo de absurdo lógico. Com boa consciência e decisão ajustada, um grupo de escuteiros ajuda criminosos homicidas. A “ética da convicção” impele-os a ajudar o próximo. Trata-se, segundo Max Weber, de “uma acção racional com relação a valores” (Economia e Sociedade, 1910/1922), ou, segundo Vilfredo Pareto, de “uma acção não-lógica do 2º género” (Tratado de Sociologia Geral, 1916). Soa a “estúpido”, resumiria Carlo Cipolla (Allegro ma non troppo, 1976).

O anúncio Scouts é ousado. À primeira leitura, estranha-se, eventualmente, por “dissonância cognitiva” (Leon Festinger, A Theory of Cognitive Dissonance, 1957). À segunda leitura, percebe-se a narrativa, mas o anúncio não se entranha. À terceira, comenta-se. Vem à memória a palavra francesa con: “idiota”, segundo os dicionários. Na verdade, não existe nenhuma palavra portuguesa com “valor” semelhante. Basta o francês con significar também o sexo feminino. Os franceses abusam da palavra, mas não nos iludamos: os franceses têm a palavra e a realidade; nós não temos a palavra, mas temos a realidade. Georges Brassens, na canção Le temps ne fait rien à l’affaire (1961) repete 29 vezes a palavra con. Se pode ser, com algum jeito, também pode fazer. Angelo Branduardi mostra, na canção Si Può Fare, o quanto se pode fazer, em todos os sentidos e com as devidas contradições.

Marca: Canal Digital. Título: Scouts. Agência: TBWA/Stockholm. Direcção: Bart Timmer. Suécia, Maio 2016.

Charles Brassens. Le temps ne fait rien à l’affaire. 1961.

Angelo Banduardi. Si può fare. Si può fare. 1992. Ao vivo, em 1996.

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One response to “Pode ser!”

  1. Beatriz Martins says :

    …”uma geração com direito a tudo e vontade de nada, bem-aventurada nos recursos e melancólica nas consequências”, fosse ela a do “pode ser”, está aí, com a agravante que só “pode ser” o que eles querem.

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